LF Bittencourt

A primeira linguagem que todo programador deve aprender

Escolher uma linguagem de programação para aprender é um dilema clássico entre os desenvolvedores de software, principalmente no começo da carreira. Afinal, Java paga bem mesmo? E esse tal de Node.js, qual é? É verdade que Ruby já era e a onda agora é Python? E PHP, alguém ainda usa? C++ é difícil?

São muitas opções e é normal ficar em dúvida, mas uma coisa é certa: você não irá muito longe se não dominar outra “linguagem” antes: inglês.

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Inglês é a língua franca da tecnologia. Tudo, desde os comandos mais básicos da programação como if, while e for loop, está escrito ou é falado em inglês. Por isso, vou mostrar neste artigo como saber inglês pode facilitar sua carreira, aumentar suas chances no mercado de trabalho e contribuir para o seu crescimento pessoal.

Para começar, vamos ver um único número que deixa bastante claro o abismo que separa os profissionais que sabem inglês dos que não dominam o idioma.

Uma goleada de 75x1

Se inglês é a língua franca da tecnologia, é meio óbvio que a quantidade de informação disponível em inglês seja muito maior do que em português, certo? Mas será que conseguimos estimar de alguma forma o tamanho dessa diferença? Os números do Stack Overflow dão uma boa ideia.

O Stack Overflow é uma espécie de terra santa dos programadores. É o 48º site mais acessado do mundo e tem 40 milhões de visitas todos os meses. Fundado em 2008, ele tem nada mais, nada menos do que 12 milhões de perguntas, 20 milhões de respostas e 52 milhões de comentários. Jogue uma dúvida de programação no Google e é praticamente certo que os primeiros resultados da busca venham de lá.

Em 2014, o Stack Overflow lançou sua versão em português, que tem até agora 52 mil perguntas e 67 mil respostas. Entre todos os sites de perguntas e respostas lançados a partir do sucesso do SO, a versão brasileira fica atrás até de fóruns de tecnologias específicas como Drupal e SharePoint e assuntos de nicho como games e cartografia.

Ou seja, fazendo uma comparação justa levando em conta a quantidade de informação produzida em relação ao tempo de vida de cada projeto, a versão gringa do Stack Overflow gera 75 vezes mais conteúdo do que a versão Herbert Richers.

Dada a importância do Stack Overflow, não é nenhum exagero dizer que um profissional que domina inglês dispõe de uma base de conhecimento 75 vezes maior do que um colega que conta apenas com o português para tornar-se e manter-se um bom programador. Não é impossível, mas é (cada vez) mais difícil.

Tudo está em inglês

Documentações

Vamos começar pelo básico: documentações, os manuais de instruções das linguagens de programação. Como são a referência básica dos programadores, muitas linguagens já estão documentadas em português, mas outras não estão. E não estou falando apenas de linguagens mais underground como Lua, R ou Go. Node.js e Python, por exemplo, não têm documentação em português.

Se linguagens com milhões de adeptos têm apenas documentação em inglês, o que esperar de todas as milhares de outras tecnologias como frameworks, bibliotecas, plugins e componentes? Isso mesmo: tá tudo em inglês.

Como a maior parte das traduções é fruto de trabalho voluntário, você dependerá da boa vontade de outros brasileiros para ter acesso a documentações em português. Por outro lado, se dominar inglês, não precisa esperar nada nem ninguém para saber tudo sobre a tecnologia que deseja aprender.

Blogs

Outra fonte de consulta muito comum são os blogs. Muitas vezes, eles têm a solução perfeita para o problema que você está tentando resolver, principalmente porque o autor é um programador como você e está postando a solução para poupar horas e fios de cabelo de seus colegas. É um recurso e tanto para tópicos avançados e funcionalidades mal documentadas.

No entanto, mesmo blogueiros que não nasceram em países falantes de língua inglesa costumam escrever seus blogs (muitas vezes apenas) em inglês. O motivo é simples: como há muito mais conteúdo em inglês, há muito mais procura por conteúdo em inglês. Logo, escrever em inglês garante mais visibilidade, mais SEO etc.

O argentino Nicolás Bevacqua e o norueguês Sindre Sorhus são dois exemplos de caras que só escrevem em inglês. E acredite em mim: seria muito mais difícil se esses caras escrevessem em castelhano e norueguês.

Vídeos

Não podemos esquecer do formato mais amado agora que temos uma banda verdadeiramente larga: vídeos. O YouTube, por exemplo, está repleto de ótimos conteúdos que vão desde aulas básicas de programação a screencasts onde você pode ver a tela do programador enquanto ele programa desde hello worlds até soluções super complexas.

Há também TED e TEDx talks, eventos nos quais palestrantes convidados falam de tecnologia, entretenimento e design (a sigla “TED” vem daí) em apresentações extremamente inspiradoras.

Isso não significa que não há conteúdos em vídeo em português. No entanto, só quem domina inglês pode assistir a essas aulas completas de introdução à ciência da computação e programação do MIT, uma das melhores universidades do mundo.

Livros e ebooks

Livros de programação são um pequeno pesadelo para quem só lê em português. Como a tecnologia evolui rápido, os livros de papel e ebooks logo ficam obsoletos. E como as edições em português levam alguns meses para sair, o conteúdo fica desatualizado ainda mais rápido. De quebra, podem surgir algumas pérolas como na tradução do The Lean Startup, que chama framework de “arcabouço”.

Como os brasileiros não gostam de ler, a maioria dos livros de programação nunca ganha uma versão tupiniquim. Isso significa que muitos livros fantásticos como Build APIs You Won’t Hate só estão disponíveis se você dominar inglês.

Quem sabe inglês tem mais opções de mercado

Saber inglês também é uma grande alavanca para o crescimento profissional. Em uma entrevista de emprego, por exemplo, o fato de você saber outro idioma mostra no mínimo que você gosta de aprender, uma habilidade fundamental para quem quer ser um ótimo profissional. Mesmo que a empresa não precise diretamente do seu inglês, você será visto com outros olhos e sairá na frente dos outros candidatos. Ela saberá que você tem uma mentalidade diferente.

E o contrário também acontece: se você disser que não sabe inglês, o recrutador pode pensar que você não gosta de aprender coisas novas e tem um perfil mais acomodado, resistente, que não aceita desafios. E nem pense em mentir que sabe, pois ele pode decidir continuar a entrevista em inglês e aí mesmo é que você não terá chances.

Projetos internacionais

Com inglês, você também pode trabalhar em projetos internacionais sem sair do Brasil. Como a mão de obra brasileira é barata comparada à mão de obra de fora, cada vez mais empresas estrangeiras têm contratado fábricas de software e produtoras para desenvolver seus projetos por aqui. É um nicho de mercado bastante aquecido e sempre há vagas, mas dominar inglês é fundamental para conversar tanto com o cliente quanto com seus colegas de projeto gringos.

A grande vantagem desse tipo de emprego é que a empresa que contrata você recebe em dólar ou euro, ou seja, recebe muito bem. Com isso, ela consegue pagar salários mais generosos e todo mundo sai feliz.

Freela em dólar

Outra opção incrível são as redes de programadores freelancers. A mais famosa é a Toptal, que aprova somente 3% dos engenheiros de software que se candidatam. Porém, antes de qualquer teste técnico, você precisa passar por uma entrevista que avalia se você sabe “ler, escrever e falar inglês extremamente bem”.

Se você passar pelo processo, você escolhe seus freelas e recebe em dólar, uma moeda estável que não é afetada pela economia brasileira e vai lhe garantir certa segurança financeira. No momento em que estou escrevendo, por exemplo, 1 dólar vale R$ 3,24, mas já chegou a valer R$ 4,24 em 2015.

Viver e trabalhar fora

Por último, mas não menos importante, inglês é requisito básico para quem quer viver e trabalhar em outro país. Você precisará dele desde o pedido de um visto de trabalho até sair para comprar pão. Dá um trabalho danado, mas também é muito promissor. Muitos países como o Canadá estão com um déficit muito grande de profissionais qualificados e essa pode ser uma ótima oportunidade para você.

Crescimento pessoal

Quando você aprende inglês, outra pessoa além dos entrevistadores vê que você tem um perfil diferente: você mesmo. Você se sente mais capaz, mais confiante, e com certeza tem uma vida melhor em vários aspectos. Quem consegue aprender uma nova língua consegue aprender qualquer coisa.

Se você ainda não está certo se vale a pena, pense em todo o crescimento pessoal que o inglês vai lhe proporcionar. Imagine como será legal assistir suas séries favoritas sem legenda, entendendo aqueles detalhes que perdem todo o sentido quando são traduzidos para o português. Pense em como será legal ir ao cinema e não ficar tão preocupado em ler as legendas, porque você entende tudo que os atores falam.

Você poderá receber gringos na sua cidade e falar sobre as coisas bacanas que só você conhece, aproveitando a oportunidade para saber mais sobre culturas totalmente diferentes da sua. E você se sentirá seguro para ser esse gringo em qualquer lugar do mundo, pois em todo lugar existe alguém que fala pelo menos um pouco de inglês e pode lhe ajudar com o que for necessário.

E acima de tudo, lembre dos 75x1. Você terá acesso a um mundo de informação e ficará mais claro o quanto você é parte de algo maior, seja a comunidade de tecnologia ou o mundo em si. Ou melhor: o mundo será a sua nova comunidade, e você poderá colaborar tanto com linhas de código em um projeto open source quanto contando para seu novo amigo gringo a dor e a delícia do jeitinho brasileiro.

Conclusão

Vá além do “inglês técnico”. Você pode passar a vida toda praticando o que o inglês instrumental chama de skimming e scanning, ou seja, “pegar a ideia” sem necessariamente entender (ou mesmo ler) todo o conteúdo. Mas só se comprometendo a aprender inglês de verdade é que você perceberá os detalhes que podem mudar completamente o entendimento do que você está lendo.

Não use a evolução dos tradutores automáticos como desculpa para não estudar. Por mais que o Google Translator seja aperfeiçoado, ele sempre saberá apenas o que você escreve e diz, não necessariamente o que você quer dizer.

Treine seu ouvido

Quando ainda somos bebês, nosso cérebro escolhe quais sons devemos reconhecer e reproduzir e ignora todo o resto. E você sabe quais sons ele escolhe? Os sons que ouvimos quando somos bebês: a língua dos nossos pais, muito provavelmente português.

É por isso que muita gente pronuncia “word” quando quer falar “world”, porque o som é estranho demais para os nossos ouvidos. E aqui não existe atalho: só com muito treino conseguimos reeducar nosso cérebro preguiçoso.

E como eu sei disso? Porque vi em um TED talk.

Invista em inglês

Tecnologias nascem e morrem do dia para a noite, mas essa é uma “linguagem” que você usará pelo resto da vida, seja para escrever um código mais coeso, aprender novas linguagens de programação ou conquistar o mundo. Você escolhe.

E olha que legal: você será melhor que muito gringo, porque muitos deles só sabem falar inglês.

Written on Oct 3, 2016.